Quando Dogen retornou da China, alguns monges da escola Tendai o perguntaram: "Dogen, quais ensinamentos você trouxe da China, para dizer que são os verdadeiros ensinamentos de Buda?!" Ele, então, respondeu: "Olhos na horizontal. Nariz, na vertical."
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Eu não estava lá, mas imagino a cara torta que os monges fizeram para ele. "Esse cara é louco," eles devem ter pensado. Em uma das primeiras vezes que fui ao Busshinji, a alguns anos, o monge líder - Jisho-sensei -, disse aos atendentes daquele zazen de sábado: "Se vocês vieram aqui hoje esperando ganhar alguma coisa, perderam a viagem. Aqui, você não ganhará nada: apenas perderá." Naquele momento, eu ri e pensei: "Yeah, esse é o lugar!"
Aqui no Japão pude conhecer uma variedade enorme de pessoas, dos mais diversos lugares e fés. Aprendi - e tenho aprendido - bastante com cada um deles. É interessante notar quantos pré-conceitos que trazemos conosco quando conhecemos alguém, e como normalmente estamos errados. Eu tinha minhas ideias e conceitos sobre muçulmanos e árabes, e todos se provaram errados; toda a concepção que eu tinha de Tailandeses, Malaios, Indonésios e Vietnamitas caiu por terra. E, mesmo sobre o Japão, minhas pré-concepções estavam erradas.
Obviamente, ter pré-conceitos a respeito de algo não é uma coisa estranha ou ruim: é natural. Estamos constantemente absorvendo informações sobre tudo, por todos os meios possíveis. Temos uma mente pensante, e fomos instruídos a usá-la como meio de previsão desde quando éramos pequenos: não precisamos enfiar nossos dedos na tomada para saber que o resultado não vai ser agradável. Ter pré-conceitos é algo bastante útil, mas nem sempre. Às vezes criamos tantos pré-conceitos em nossa mente, que começamos a julgar pessoas, coisas ou eventos de um modo tão negativo que isso nos impede de ter experiências únicas. Há uma símile no Budismo a respeito de uma xícara de chá: ninguém poderá servi-lo enquanto sua xícara estiver cheia; é necessário esvaziá-la antes.
Buda ensinou um grupo de monges de Kalama a nunca confiar, praticar ou acreditar em algo sem uma inspeção bem cuidadosa, e se esse 'algo' conduzirá a bons frutos. Esse é um método interessante de analisar nossos pensamentos e pré-conceitos; e também um excelente método para analisar nosso comportamento frente ao mundo. Os conselhos de Buda são dados no Anguttara Nikaya 3.65:
- Ma anussavena: Não acredite em algo simplesmente porque foi passado e recontado de geração em geração. [Não seja conduzido pelo que te mandam fazer.]
- Ma paramparaya: Não acredite em algo simplesmente porque se tornou um hábito comum. [Não seja guiado por qualquer coisa que veio de gerações passadas.]
- Ma itikiraya: Não acredite em algo simplesmente porque é lugar-comum. [Não seja guiado por ditos ou opinião popular.]
- Ma Pitakasampadanena: Não acredite em algo só porque está citado num texto. [Não seja guiado por escrituras.]
- Ma takkahetu: Não acredite em algo somente com base no raciocínio lógico. [Não seja guiado por mera lógica.]
- Ma nayahetu: Não acredite em algo apenas porque está de acordo com sua filosofia. [Não seja guiado por mera dedução ou inferência.]
- Ma akaraparivitakkena: Não acredite em algo apenas porque apela ao "senso comum". [Não seja guiado considerando apenas a aparência externa.]
- Ma ditthinijjhanakkhantiya: Não acredite em algo só porque você gosta da idéia. [Não seja guiado por noções pré-concebidas.]
- Ma bhabbarupataya: Não acredite em algo só porque quem professou parece ser de confiança. [Não seja guiado pelo que parece aceitável.]
- Ma samano no garu ti: Não acredite em algo pensando, "Isso é o que meu mestre diz".
"Kalamas, quando vocês souberem por si mesmos, 'Essas coisas são íntegras, louvadas pelo sábio; quando adotadas e conduzidas, elas levam ao bem-estar, à prosperidade e à felicidade,' então vocês devem aceitá-las e praticá-las."
É uma instrução bem prática que quer dizer: "Ei! Presta atenção! Pensa um pouco no que você tá fazendo. É algo que realmente vale a pena fazer?" Da mesma forma que lidamos com nossa filosofia, religião ou o que quer que seja, devemos lidar com nossos pensamentos e hábitos. O que vale a pena ser mantido?
Depois de uma cuidadosa e sábia análise, talvez percebamos que - ao invés de coisas para serem ganhas - temos é um monte de coisa extra pra perder.
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Leituras relacionadas:
The Kalama Sutta @ The Gold Scales website. Onde eu encontrei a versão que postei aqui. Eles têm uma excelente discussão a respeito do texto também.
Kalama Sutta @ Access to Insight. Versão do Thanissaru Bikkhu desse sutta. Vale a pena ler.
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